O Albergue Espanhol, vestindo a camisola de se sentir governo, fechou as portas e barricou-se num forte a brincar aos índios e cóbois, aparentemente a ideia que melhor lhes representa a arte de governar. Não deixa de ser curioso que tenham escolhido como metáfora uma história em que apesar dos avisos são cometidos erros em barda, acabam chacinados e no fim salva-se o Adelino Maltez. Sejam bem-vindos.
Não obstante o radioso naipe de especialistas contratados (Pedro Correia, João Gonçalves, António Figueira...), a antena de comunicação do governo tem-se revelado incapaz de compôr a evidente dissonância cognitiva entre a narrativa que foi prometida, o que vai sendo anunciado e o que os olhos do país vêem acontecer. A ponto de, e com apenas dez semanas de matrimónio, o parceiro de governação já não esconder o desconforto da noiva enganada; e das críticas mais incisivas ao rumo da governação estarem a crescer, de dia para dia, dentro do próprio partido do governo. E isto, repita-se, com apenas dez semanas de funções, o que se não é um recorde é no mínimo insólito.
Problemas de comunicação ou deficiência do produto?
Pelo que se tem visto - impreparação e improviso, rompimento com o discurso e as convicções pré-governação ( i.e., o contrato com os eleitores), sucessivos e mal explicados aumentos de impostos (perante uma já indisfarçada irritação de largo espectro no seu tecido de apoio político, dos sectores mais conservadores à doutrina liberal), ausência do primeiro-ministro nas comunicações difíceis ao país, deixando ministros tecnocratas entregues à sua sorte, a sensibilidade social de um elefante em loja de porcelanas, a inexistência de uma linha estratégica para o discurso europeu (não só do governo, mas entre os próprios membros do governo), a bomba-relógio em que ameaça tornar-se a guerra aberta pelos negócios das privatizações - e mesmo contando com uma comunicação social amorfa e que quase pede licença para incomodar, seria severo atribuir a responsabilidade maior da maladie ao esforço do dream team de Relvas.
Passos Coelho não sabe se vai ser necessário aumentar impostos, mas vai avisando que "se for preciso", por uma qualquer "razão externa" (isto é, por qualquer razão) não hesitará. Terá esta declaração o objectivo o de tranquilizar e de credibilizar o país perante os mercados, esse grande trunfo invocado para ganhar eleições? Talvez não tenha esse efeito, parece antes o tipo de discurso capaz de se tranformar em profecia que se cumpre a si própria. Veremos.
Do mesmo modo, e quando não há a menor indicação de que possa haver "tumultos" nem "ruas incendiadas", Passos diz que compreende o direito à greve e à manifestação mas que não tolerará que a "guerra contra o governo" (!) em curso se transforme em tumultos. Garante, por outro lado, que "nunca iremos por aí" (quem?). Talvez seja de ficar descansado. Mas pouco.
Veja aqui e acredite
Parece que as dificuldades dos portugueses só vão durar mais três meses.
Como é que era mesmo aquilo da propaganda e de enganar o país?
E a troika, já saberá disto?
O bonding na coligação governamental vai de vento em popa.
Mas talvez não fosse má ideia Passos e Portas trocarem umas ideias sobre os eurobonds. E já agora também com Vitor Gaspar. Por um lado, era bom que o governo português tivesse uma posição - uma posição qualquer, que Carlos Moedas reconhece não existir. Mas, se forjar uma posição oficial for pedir demasiado, uma pequena reunião sempre servirá para ver se se (e nos) poupam às clarificações, descodificações e afins que já são uma imagem de marca, e para perceberem que anda cada um a falar para seu lado e a dizer sua coisa.
Se também não for possível esta conversa a dois ou três e remediar a situação, talvez pudessem propôr à RTP participar num prós e contras sobre o tema, cada um na respectiva bancada. Seria um grande momento. Televisivo e de bond-building.
Passos Coelho e Paulo Portas tinham uma solução para o problema das contas públicas em Portugal radicalmente diferente da solução do PS: era possível resolver o problema "sem mais sacrifícios" para as pessoas e sem "pôr o país a pão e água". Tudo se resolveria cortando atacando a adiposidade do Estado nos "custos intermédios" - que se tornaram tão famosos quanto misteriosos, mas até eram quantificados.
Isto era antes das eleições. Neste intermezzo, foram-se tornando cada vez menos famosos e o mistério sobre a definição e localização de "custos intermédios", pelos vistos, começa a resolver-se.
Provavelmente, Paulo Macedo não costuma recorrer aos serviços de urgência do SNS em Lisboa (ou até ao SNS no seu todo), mas mesmo dando esse desconto, parece difícil conceber que num serviço com essas características e sujeito a tanta pressão, e que aliás foi objecto de reformas e reorganizações significativas nos últimos anos, "menor quantidade" não dificulte o acesso das pessoas a cuidados de saúde urgentes. E, portanto, se diminua a qualidade do serviço - que numa urgência, está por definição ligada à questão do acesso.
- Agora vão começar a sentir os olhos pesados... muito pesados...
Terceira conferência para apresentar os tão esperados cortes na despesa do estado, terceira enorme expectativa, terceiro aumento de impostos.
Ainda vamos ser surpreendidos com a revelação de que os consumos intermédios e as gorduras do estado, os tais onde era tão fácil cortar, são afinal... as pensões e os salários dos funcionários públicos.
andré salgado
miguel cabrita
paula mascarenhas
correio.da.vida@gmail.com
vitor gaspar; schauble; conversa privada