Quando li a notícia de que os prémios de mérito para os melhores alunos do ensino secundário foram cancelados a poucos dias da sua entrega, e já depois de atribuídos, supus que se tratava da obsessão com as reduções de despesa, mais uma pequena parcela dos "custos intermédios" do Estado. Seria ridículo, mas é o espírito do tempo.
Mas não, afinal o dinheiro é para gastar na mesma. O que significa que o que está verdadeiramente em causa é suprimir um incentivo da escola pública ao mérito e à excelência - os tais que não eram suficientemente premiados pelo nosso sistema educativo.
Tudo isto, por si, seria estranho e, nas devidas proporções, grave. Mas o mais preocupante é que revela um padrão de actuação intelectual e politicamente muito pouco honesto, e não apenas em relação à tutela anterior.
O que há uns meses, na boca do actual ministro, era um "monstro burocrático centralizador" a abater ("implodir") a todo o custo em favor da "autonomia" das "comunidades escolares", mudados os titulares só revela mudanças para pior. Esqueçamos, até, as penosas referências negacionistas aos resultados nos estudos da OCDE. Afinal a actual equipa ministerial só complicou a vida aos professores e às escolas com um concurso de professores como há anos não se via - e, aliás, sem assumir as suas responsabilidades, preferindo tentar culpar os mesmos directores de escolas que noutros anos asseguraram processos quase sem mácula. Afinal, a avaliação de professores que era insuportavelmente burocrática deu lugar a um processo no essencial semelhante ao que estava desenhado. E, afinal, o discurso da insuficiência do estímulo ao mérito e à excelência deu lugar ao cancelamento a um prémio instituído precisamente e explicitamente para esse mesmo efeito, não por razões financeiras - só porque sim.
Nesta sucessão de episódios, só uma coisa em comum: a tentação, tão perigosa em política, da terra queimada. Mas fazer tábua rasa de tudo o que está feito, por puro capricho ou por incapacidade para reconhecer nos outros méritos, costuma dar mau resultado. Entretanto, o mérito e a excelência nas escolas, afinal, são mesmo um dano colateral - ou "custo intermédio", como se preferir.
andré salgado
miguel cabrita
paula mascarenhas
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vitor gaspar; schauble; conversa privada