Duas perguntas, que nos dão bem a medida do jornalismo que se pratica em algumas redacções:
a) Onde e como, no artigo assinado pela jornalista Maria José Oliveira, se pode retirar a ideia de que Sócrates autorizou o ex-director do SIED a passar informações à Ongoing?
b) Como é aqui referido, onde, no quadro legal aplicável, terá a jornalista do Público desencantado a ideia, aparentemente de sua autoria, de que "a comunicação de dados para empresas privadas pode acontecer em casos em que prevaleça o interesse estratégico do Estado"? E já agora, para completar o seu raciocínio, qual seria exactamente, no caso em apreço, "o interesse estratégico do Estado"?
Anexo: para quem se quiser entreter, à distância de um clique, a Lei de Segurança Interna e a Lei Quadro do SIRP.
Num jornal a sério, isto era razão suficiente para rolarem cabeças, da jornalista que assina o artigo aos superiores hierárquicos que o acolheram e editaram com destaque de manchete. Num jornal a sério.
Universidade de Verão do PSD convida Mário Soares.
Pelo andar da carruagem, para o ano convidam José Sócrates.
Afinal, há "desvio colossal" ou não há "desvio colossal" nas contas públicas? Passos Coelho terá dito que sim, depois que não, ou mais ou menos. Vítor Gaspar disse que não, depois que sim, ou mais ou menos. E que desvio é esse, que não se encontra em lado nenhum - nem na execução orçamental, nem nos números do INE, nem nas contas dos técnicos da Troika, que passaram a situação financeira do país a pente fino? Dois mil milhões? Mil milhões? Dois mil milhões outra vez? Ou quem sabe, raíz quadrada de 7 milhões vezes Pi milhões? E sendo dois mil milhões (parece que é a versão definitiva e arrematada), como é que seria compensado com um imposto extraordinário que prevê uma receita de mil milhões? Que é para isso que foi criado e justificado, certo? Ou não era uma medida de precaução? Confusos? É compreensível. Mas não tanto quanto este governo de gente atabalhoada, assustada e impreparada.
O ministro das finanças, que parece ir inventando a narrativa à medida que vai sendo interrogado sobre o assunto, vem agora esclarecer que o "desvio" de dois mil milhões explica-se numa comparação virtual entre os objectivos estabelecidos com a Troika e o orçamento do Estado para 2011, aprovado em Novembro do ano passado.
Ora, se bem se percebe o exercício virtual, Vítor Gaspar ignora a deterioração das condições financeiras, a que Portugal também foi sujeito; ignora o chumbo das medidas do PEC IV - determinado pelos marmanjos que se sentam ao seu lado no conselho de ministros - e do subsequente acordo que Portugal teria obtido, a nível europeu, com a sua implementação; ignora o aumento brutal dos encargos com os juros da dívida soberana, como resultado da brincadeira; e ignora o acordo estabelecido com a Troika, que já prevê as medidas adequadas para atingir os objectivos propostos.
Desvio? Isto não vai acabar bem.
Também tivemos o nosso News of the World. Não se conhece o título, mas conhecem-se alguns dos ingredientes: uma dose de Correio da Manhã, uma dose de Sol, uma comarca de Aveiro com uma dúzia de cassetes batidas em castelo e um Pacheco Pereira acamado em comissão parlamentar de inquérito. Agitar cuidadosamente e servir em balão aquecido. Para os mais gulosos, juntar umas raspas de Fernando Lima, muito populares nas pastelarias da avenida de Roma.
Ou um respeitado director de um respeitado semanário, sugere, com todas as letras, que o primeiro-ministro de Portugal terá cometido uma grave ilegalidade, ao pedir informações às polícias secretas sobre um cidadão convidado - e depois desconvidado - para integrar o governo do país?
E que o primeiro-ministro de Portugal sacudiu a caspa dos ombros, com a ligeireza de quem desmente ter encomendado envelopes A3?
Ou muito me engano, ou o triângulo das bermudas formado pelos interesses do grupo Impresa de Balsemão, os interesses do grupo Ongoing e o papel sinistro do casal Moniz, com a nau catrineta de Passos Coelho apanhada no olho da tempestade, é matéria altamente inflamável que ainda vai fazer correr muita tinta e não só...
"A minha interpretação da frase entre desvio e colossal, é que foram detectados desvios e que a consolidação orçamental nos vai exigir um trabalho colossal. Esta versão é da minha pura responsabilidade. Eu não tenho nenhuma informação autêntica sobre as palavras que terão sido proferidas entre desvio e colossal"
- Vítor Gaspar, a 14 de Julho, interpretando as palavras atribuídas a Passos Coelho no Conselho Nacional do PSD de 12 de Julho.
"O trabalho que o governo vai ter de fazer para recuperar o desvio que existe quanto às metas orçamentais que estavam previstas, é colossal"
- Passos Coelho, no vídeo divulgado a 22 de Julho, apresentado como tendo sido gravado no Conselho Nacional do PSD de 12 de Julho.
Do estranhíssimo vídeo de 33 segundos fornecido pelo PSD, em exclusivo, à televisão do Estado - no qual só se vê o primeiro-ministro, sem qualquer plano envolvente, a recitar milimetricamente as palavras exactas do enredo -, ficam dois dados muito curiosos:
Primeiro, a perplexidade de que as reuniões partidárias - à porta fechada - do Conselho Nacional do PSD são filmadas (a que propósito? com o assentimento dos conselheiros nacionais? cujas opiniões, proferidas para dentro do partido, entre pares, estarão a ser gravadas?).
Segundo, que a coincidência entre as palavras gravadas de Passos Coelho e a interpretação das mesmas por Vítor Gaspar, de conhecimento público muito anterior, é de tal forma milimétrica, que se torna mais verosímil identificar a colagem do discurso gravado à interpretação do ministro das finanças, do que reconhecer a esta última a capacidade adivinhatória sobre as palavras do primeiro-ministro, até porque - e aqui é que está o diabo nos detalhes - é Gaspar quem faz questão de referir não ter informação autêntica (i.e. conhecimento pessoal) do discurso de Passos Coelho.
Dito isto, das duas uma:
Ou o "desvio colossal" nunca existiu nas palavras do PM, e, trapalhadas à parte com o estranhíssimo vídeo, terão sido os estrategas da São Caetano a fabricar o soundbyte, passando-o à comunicação social, colocando-o na boca de Frasquilho e inscrevendo-o no relato oficial do jornal do PSD, para posteriormente, percebendo que se tinham espalhado ao comprido quando as instituições internacionais não acharam piada a que fosse colocada em xeque a competência dos seus técnicos, serem obrigados a corrigir a farsa - o que configura uma fraude política: fabricação de um falso "desvio colossal" nas contas públicas para acomodar a justificação de um novo imposto;
ou Passos Coelho aventurou-se mesmo pelo discurso do "desvio colossal" e ao ver-se obrigado, pela mesma ordem de razões, a corrigir a farsa, terá ensaiado uma primeira justificação criativa pela boca de um seu ministro, a ver se pegava, para depois "inventar" um vídeo a tresandar de suspeito para comprová-lo - o que configura uma fraude política muito mais grave.
Place your bets.
Está a azedar o ambiente entre facções do PSD. Pacheco Pereira escreveu, a propósito do corrupio de assessores do novo governo, uma análise interessante sobre lugares, boys, pagamento de serviços e uma teia de interesses pouco transparentes, incomodando o nervo da gerência do 31 da armada.
Rodrigo Moita de Deus ripostou com 18(!) posts (and counting...) para responder à farpa de Pacheco.
Vídeo disponibilizado pelo PSD confirma que Passos Coelho nunca falou em desvio colossal - RTP
Afinal, não há nenhum desvio colossal nas contas públicas e tudo está bem quando acaba bem.
O que era escusado nesta trapalhada, foi ter sujeitado Miguel Frasquilho a fazer - uma vez mais... - o papelão público de quem se disponibiliza a comer o prato que lhe põem à frente:
(clique para aumentar)
Ou ter exposto o amadorismo voluntarista com que os esforçados funcionários da São Caetano fazem o Povo Livre, o próprio orgão oficial do PSD:
(clique para aumentar)
Isto, claro, no pressuposto de que o vídeo-prova disponibilizado - onde só se vê Passos Coelho, que tanto podia estar a falar para uma sala cheia como para o vazio - é verdadeiro e não uma recriação gravada ontem à tarde, seguindo o guião escrito por Vítor Gaspar. A reinar, a reinar, já tudo é possível.
Administradores da Caixa Geral de Depósitos engordam de 7 para 11
Gordura do Estado a ser combatida pelo lado do ar condicionado.
A reportagem da revista Visão sobre o exército de bloggers e jornalistas que enxameia as novas assessorias do governo, traça-nos algumas observações curiosas:
- Muito boa gente que se alistou, ao longo dos últimos anos, nas milícias de combate ao que chamavam, pejorativamente, os bloggers-assessores do governo socrático, estará agora, com ou sem gravata, a morder a língua. Ou a desaparecer de fininho.
- O 31 da armada, também conhecido em alguns meios como NextPower, contribui - com um chefe de gabinete e um assessor - para uma originalidade: uma secretaria de estado de Mangualde.
- A redacção do Diário de Notícias é um viveiro de assessores laranjinhas de fazer inveja ao número de militantes de muitas secções social-democratas.
- Um dos mais notáveis representantes da escola independente do laranjismo jornalístico, pode, enfim, abandonar o seu dixote preferido dos últimos seis anos: "há x* anos vivíamos melhor". Agora, se forem prestando bem atenção, já vivemos melhor outra vez.**
*ir preenchendo com relação a 2005, altura em que Santana Lopes foi apeado.
**mesmo que seja no gabinete de Relvas (por vezes, sonha-se com os grandes mas acabamos no Paços de Ferreira).
andré salgado
miguel cabrita
paula mascarenhas
correio.da.vida@gmail.com
vitor gaspar; schauble; conversa privada