1. Cumpriu-se a alternância em democracia. Teria sido um case study para os manuais de ciência política, se em Portugal fosse diferente do que sucedeu por toda a Europa: qualquer governo, tido por bom ou mau, de esquerda ou de direita, foi esmagado pela crise brutal que nos caiu em cima e que está longe de ter terminado.
2. PSD e CDS proporcionaram uma vitória expressiva e inequívoca à direita, mas ficaram aquém dos seus objectivos. O PSD, com uma oportunidade única de mudança de ciclo, ambicionava a maioria absoluta - algo como 43 a 44% dos votos e 116 deputados - para legitimar a sua total liberdade programática, como o conseguiu Sócrates em 2005. Ficou em 38% e 105 deputados (ainda com 4 por atribuir), sendo obrigado a negociar a sua governação. O CDS ganhou 3 deputados, mas chegou a sonhar com a autoridade de uma votação histórica, na ordem dos 13 ou 14%. Ficou em 11,7. Vão reviver-se velhos fantasmas das soluções Durão e Santana/Portas e muitas resistências de estimação. Boa sorte.
3. O PS pagou o preço de um contexto muito superior à sua governação. Sofreu uma derrota clara e aponta a um novo ciclo, tão natural como já o ter realizado tantas outras vezes. Ter ficado de fora da solução governativa foi o melhor que lhe podia acontecer no actual contexto: pode regenerar-se longe do olho do furacão, que está para ficar.
4. José Sócrates teve, na derrota, uma dignidade pessoal e política que muitos gostariam de ter na vitória.
5. A outra esquerda, a que contava com o desgaste do governo socialista para valer pelo menos 20% (lembram-se?), foi premiada com uma valente bofetada dos portugueses. O PCP ganhou meia dúzia de votos (e mais um deputado) e ganha sempre por ficar no mesmo sítio. Falta explicar, e mais ainda no contexto actual, como é que não consegue representar mais do que 8% dos portugueses. O Bloco implodiu. Pagou por uma série de erros de estratégia e de ambição que não tinha pernas para andar. O labirinto da paternidade da candidatura de Alegre, o erro colossal da moção de censura que a sua base de apoio não compreendeu e o contributo para a queda do governo, sem possuir o mecanismo de sobrevivência do PCP, pavimentaram o caminho; a demissão de representar o seu eleitorado perante a Troika e a casca-de-banana da aproximação ao PCP (que a colocou com toda a sua experiência de terreno), fizeram o resto. Foi devolvido à casa de partida: a dimensão de PSR.
6. A pergunta de uma jornalista da RR a Sócrates - receia que o resultado das eleições abra caminho a novos processos judiciais ou acelere processos judiciais em curso? - é um espanto. Representa tudo o que não se deseja numa democracia saudável: a correlação, qualquer que ela seja, entre o que é da política e o que é da justiça. Já assistimos, há não muito tempo, a um episódio negro de instrumentalização da Justiça, que deixou marcas profundas na nossa democracia. Esperemos não assistir a uma segunda coincidência.
7. A participação activa e empenhada na campanha eleitoral, de donos da comunicação social, como Balsemão e Belmiro de Azevedo, comprova que afinal, e ao contrário do que nos foi dito, muito foi feito nestes seis anos pela erradicação da asfixia democrática.
8. Pedro Lomba, entre outros comentadores de direita, manifestaram-se "aliviados" pelo afastamento de Sócrates. Muita gente terá resolvido, enfim, o seu problema de prisão de ventre. E sem o constrangimento de recorrer ao Serviço Nacional de Saúde.
9. Passada a embriaguez das celebrações, a entourage de Passos Coelho estará mais assustada que a maioria dos portugueses. Têm razões para isso. Felizmente, prometeram-nos os melhores dos melhores.
10. Não percamos de vista a promessa de Passos Coelho em pôr o país a crescer, pelo menos 3%, nos próximos dois, três anos. Let the show begin.
andré salgado
miguel cabrita
paula mascarenhas
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vitor gaspar; schauble; conversa privada